Holanda, 07 de fevereiro, 2018
Por Fatima de Kwant
SERES HUMANOS
O autista é, antes de mais nada, um ser humano. Todo ser humano deseja o mesmo: ser feliz e ser aceito. Independente de ser severo, moderado ou leve, todo autista tem o direito de ser feliz. Para isso é preciso o MÍNIMO DE PRECONCEITO E O MÁXIMO DE AMOR, principalmente da sua família. A sensibilidade e a dedicação dos familiares vão ser de suma importância para que a pessoa com autismo se desenvolva ao máximo. Também é importante que a família se una a profissionais que entendam a necessidade da criança de se sentir bem, em primeiro lugar, para então progredir. Unidos, deverão traçar um plano onde a seguinte pergunta seja respondida:
Como podemos viabilizar o bem-estar do autista?
A pessoa que se sente bem tem vontade de participar e aprender.
FAMÍLIA
A família é a base de toda criança. Como os pais, irmãos, avós, tios e demais reagem, irá influenciar o comportamento, o bem-estar e o aprendizado da criança. A família deve procurar estabelecer uma boa relação com todos os que vão cuidar da criança, incluindo os professores, médicos e terapeutas. Autismo é um trabalho de equipe: cada um contribui com o que tem de melhor para a evolução da criança, do adolescente ou do adulto no espectro.
DIAGNÓSTICO
Quando os pais recebem o diagnóstico de TEA (Transtorno do Espectro do Autismo) para um filho, o seu mundo “desaba”. É o primeiro impacto com uma condição que irá mudar o rumo de suas vidas. Todas as ilusões de praxe, aquelas que os pais têm para seus filhos neurotípicos (como a fé e esperança em um futuro brilhante) são, violentamente, trocadas pela insegurança e pelo medo. Por quê? Porque é isso que os médicos e os livros afirmam. O peso já começa na hora em que os pais recebem o diagnóstico: “Sinto muito, seu filho tem autismo.” Geralmente seguido de um prognóstico desfavorável, com uma lista de prováveis limitações. Derrotados, os pais voltam para suas casas amedontrados e sem soluções.
Como seria diferente se, ao invés de um prognóstico pessimista, a família recebesse uma injeção de ânimo, de médicos bem informados sobre o autismo a enumerar as possibilidades da criança e do desenvolvimento que ela pode ter. Que o diagnóstico que é dado, no momento, pode mudar no futuro com a ajuda de terapias e métodos de facilitação do desenvolvimento global de seus filhos. Estes são os médicos que pais de autistas merecem e deveriam encontrar. Estes são os profissionais que não vão tirar sua esperança, mas oferecer-lhes uma luz no fundo do túnel.
Pais de autistas precisam reaprender a ter ilusões, a terem esperança porque todo autista se desenvolve. Todo autista pode aprender. Todo autista pode chegar ao máximo de sua capacidade. O diagnóstico não é uma sentença.
APRENDER A ENSINAR PARA QUE OS AUTISTAS SEJAM ENSINADOS A APRENDER
Os autistas querem aprender, mas muitas vezes não sabem como. A sociedade moderna tenta nivelar os cidadãos, em todos os sentidos. A Educação segue o padrão estabelecido, com seus protocolos e metodologias. Mas, na verdade, somos todos diferentes. Somos distraídos, focados, calmos, agitados, lentos, rápidos etc. Alguns – como os autistas – um pouco mais que a maioria.
O autismo intensifica características existentes em todos os seres humanos
Se fosse respeitada a natureza humana, haveria escolas que adotassem vários métodos em diferentes classes. A Educação exige que todos sejamos iguais. Todas as crianças no Ensino Regular devem se comportar da mesma forma e aprender no mesmo ritmo. O resultado é que muitas crianças (neurotípicas) não atingem seu potencial máximo. Elas tentam se adaptar, constantemente, ao que é exigido delas. Algumas se sucedem bem, outras menos. Em comum o fato de se esforçarem – mais ou menos – e coneguirem acompanhar o currículo escolar – mais ou menos. Já os autistas, crianças que aprendem de formas especiais, ficam *“entre a cruz e a espada”. Nesse caso, pais e professores devem rever a forma tradicional (regular) de ensino e serem criativos. O que a criança gosta de fazer? Suas preferências são uma porta para o ensino.
Exemplos:
1-A criança adora um determinado desenho animado. O professor usa o personagem do seu desenho favorito para despertar o seu interesse.
2- A criança não é verbal. O professor não insiste, falando a mesma frase cinco vezes em seguida, caso ela não reaja ao seu comando. O professor busca meios alternativos de comunicação (sistema PECS, TEACCH, etc.) enquanto a criança não apresenta motivação para verbalizar.
3- A criança não consegue se concentrar na sala de aula. O professor observa se ela tem alguma hipersensibilidade de ordem sensorial e tenta supri-la com:
- fones de ouvido;
- carteira separada das outras crianças;
- o uso de algum material que possa ser manuseado durante a aula;
- óculos escuros.
Além disso, o professor pode oferecerao aluno autista:
- um pouco mais de tempo para executar uma tarefa;
- dispensá-la da execução de uma tarefa;
- colocá-la numa sala à parte, supervisionada, onde a criança possa ter o seu **time-out em caso de necessidade.
APRENDIZADO – TRÍADE: INTERAÇÃO SOCIAL, COMUNICAÇÃO E COMPORTAMENTO DIFERENTE (ESTEREOTIPIAS)
Interação Social é o contato com as pessoas à nossa volta.
Comunicação é nosso modo de compreender e fazer-nos compreendidos. Pode ser através da fala (verbal), de palavras escritas (gráfica), gestos (libras) ou pictogramas (ilustração). Muitas crianças autistas falam, mas não se comunicam. Elas comunicam o que querem ou quando querem. Não é uma comunicação EFICIENTE. A comunicação não eficiente influi, negativamente, na Interação Social.
Comportamento é o modo como a pessoa (re)age.
Para o autista conviver razoavelmente bem (comportamento), socialmente, ele precisa entender (comunicação) o que se espera dele. Uma vez entendido, há chances de que queira interagir. Por isso a interação, a comunicação e o comportamento acabam sendo interdependentes; um elemento “funciona” melhor com o outro.
Estimular o bom andamento da tríade é preciso. Os pais e os professores devem observar a criança, suas necessidades específicas e, como tal, traçar um plano individual de desenvolvimento. Para isso, é preciso que se desviem um pouco do padrão.
- O que a criança precisa?
- Do que gosta?
- Do que não gosta?
- O que lhe transtorna tanto, a ponto de desencadear uma crise?
- Quais são seus talentos?
- Quais suas dificuldades?
As observações/anotações sobre a criança são extremamente importantes. Por exemplo, uma criança que costuma fugir, sair correndo sem prestar atenção aos perigos presentes. As peculiaridades de todos os autista devem ser conhecidas por que cuida deles ou os ensina.

PASSAPORTE DO AUTISMO
Um passaporte do autismo é um pequeno livreto, contendo o nome, a foto e todas as características da criança autista (veja a lista aqui acima). Todas as especificidades da criança estão listadas na carteira do autismo.
Constantemente, professores tem que conversar entre si, lembrando uns aos outros como é uma determinada criança autista. Muitos o fazem naturalmente, mas alguns encontram certa dificuldade. O passaporte consta no arquivo escolar do autista e facilita a identificação de um problema, ou criação de uma estratégia de ensino, rapidamente.
O passaporte do autismo deve ser apresentado a todos os funcionários da escola, incluindo serventes e porteiros.
AUTOESTIMA
Segundo a Dra. Martine Delfos, cientista franco holandesa, os autistas sentem muita vergonha de si e têm, têm medo e, muitas vezes, a autoestima baixa. É preciso aumentar sua autoconfiança. O autista precisa se sentir importante. Ninguém melhor que sua família para saber como fazê-lo. Faça um elogio sincero. Esse autista tem algum talento? Elogie. Ela tem olhos bonitos, diga isso a ela. Ela sabe esperar? Cumprimente-a por saber esperar tão bem. Há sempre uma razão para fazer um elogio sincero, que vai aumentar a autoestima do autista.
Pessoas com autoestima se sentem bem. Pessoas que se sentem bem, são receptivas; pessoas receptivas, aceitam aprender.
EMPATIA
A falta de empatia do autista é um MITO. Os autistas sentem as situações de um modo diferente dos demais, mas sentem.
Exemplo: Vocês conhecem a criança autista que se afasta de sua mãe quando ela chora e diz estar triste?… Falta de empatia? Não. Simplesmente aquela criança não sabe o que fazer com a tristeza de sua mãe. Ela sofre porque sua mãe sofre, mas não REAGE do modo que sua mãe espera. Ensine-a. Diga que está triste, pegue a mãozinha dela e passe na sua própria cabeça. Enxugue suas lágrimas com a mãozinha dela. Diga-lhe que está triste, mas que vai fazer tudo para passar. Ensine a criança a compreender emoções.
Permita que seu filho aprenda o modo comum de externar o que sente. Lembre-se que a criança autista só precisa de mais treino do que as neurotípicas.
“É preciso esticar a zona de conforto dos autistas”
Temple Grandin
Não devemos ter “medo” dos autistas – medo de um surto, de uma crise, ou de deixá-los chateados. Esticar a zona de conforto dos autistas é uma forma de amá-los, de promover a sua independência.
Quanto menos exposto ao que não faz, menos vontade de fazer. Crie novos hábitos, mude uma rotina. Escolha o momento certo para fazer isso: quando ele estiver calmo, contente, relaxado, ofereça o desafio. Exemplo: se o autista adulto não anda sozinho na rua, estimule a andar só. Comece pelo próprio bairro. Que ele vá até a esquina e volte. Vá “esticando” a distância. Tenha paciência.
Importante para o bom convívio, seja em casa, na escola ou em qualquer outro lugar, é o entendimento das regras sociais. Muitas são exageradas, mas outras são essenciais. Voltando ao que disse acima, os autistas são capazes de aprender tudo; eles são capazes de aprender as regras básicas do convívio social.
“A família deve prestar constante atenção às regras que ela impõe ao autista. Não exija demais dele. Inclua as regras aos poucos”
Fatima de Kwant
Exemplo: os pais querem que a criança se sente à mesa sem levantar; querem que coma tudo o que está no prato; querem que não fale de boca cheia; querem que cumprimente uma visita; querem que peça licença antes de se levantar, etc. Boas regras, mas muitas para serem atendidas ao mesmo tempo. Priorize:
- Implemente uma regra de cada vez.
- Comece pelo essencial – o que a criança está proibida de fazer e o que deve fazer.
- Prefira recompensar o que a criança acerta do que castigar o que ela erra.
- Seja consistente. O que você falou (ou prometeu) é lei. Cuidado, portanto, com o que diz à criança.
TEMPO
O tempo é um artifício que o homem criou para controlar a vida – a sua e a dos outros.
Os autistas são as criaturas verdadeiramente livres, elas não contam tempo. Em suas mentes, um minuto pode durar uma hora e vice-versa. Isso explicaria sua dificuldade em esperar ou, ao contrario, como podem ficar horas girando objetos, por exemplo.
Esperar que se adaptem à nossa realidade fica sendo um grande desafio para eles (e para nós). Mas é possível.
Ensine a eles que contem o tempo com a ajuda de uma ampulheta ou de um relógio de cozinha. Aos poucos vão aprendendo o nosso sentido de tempo e incorporando à sua rotina. Até os autistas mais funcionais podem ter esta dificuldade. Usar este artifício não é exagero.
Os autistas podem tudo o que outros podem, mas provavelmente irão aprender de um modo diferente, mais lenta ou rapidamente. Seja criativo. Ouse experimentar. Relaxe. Aprecie as oportunidades que esta criança lhe oferece. Pais, esqueçam o sofrimento e visualizem um futuro feliz. Pergunte-se o que é mais importante no momento. Siga sua intuição.
Professores, agradeçam a oportunidade de poderem lembrar o porquê de terem escolhido a profissão: a missão (desafio) de ensinar.
Conviver com uma pessoa autista é uma grande oportunidade de aprender sobre a natureza humana e analisar o nosso próprio comportamento (neurotípico):
- O que é certo – o que parece certo, mas é errado.
- O que é errado – o que parece errado, mas é certo.
- O que é que dá certo ou errado para pessoas diferentes (todas, autistas e não autistas)
- O que podemos mudar após esse conhecimento sobre o autismo para melhorar nossa própria atitude perante a vida.
- O que podemos ensinar aos autistas para melhorar a qualidade de suas vidas.
*Entre a cruz e a espada – expressão que significa “estar num dilema”.
**Time out – expressão inglesa que significa “dar ou tomar um tempo”.
Fatima de Kwant é jornalista e ativista internacional pelos direitos do autismo. Formada pela Logavak (Universidade de Utrecht) em Autismo & Desenvolvimento. Mãe de um adulto autista que saiu do autismo severo para o bem leve.
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Simplesmente excelente! !! Vou estudar esse texto pra pesquisa da Faculdade. Parabéns.
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Muito obrigada, Maria Barbosa.
Desculpe pelo atraso no retorno.
Grande abraço!
Fatima
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Obrigada por nos presentear com tantas idéias que são de grande ajuda e fazem crer que o alcance do potencial de cada autista pode ser fortalecido com nosso empenho e determinação na busca do melhor jeito de estimular quem depende de nossa iniciativa para conviver neste mundo. Parabéns!
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Obrigada a você, Selma <3
Bjs,
Fatima