Por Fatima de Kwant
Papendrecht, 06 de Junho de 2016-06-07
A quem possa interessar,
Meu nome é Fatima de Kwant. Sou uma cidadã holandesa, com nacionalidade brasileira. Jornalista, especialista em Autismo & Comunicação e, o mais importante, mãe de um rapaz autista, voltei meu foco para o Transtorno do Espectro Autista há mais de uma década. No meu país, Holanda, sou uma Autism Advocate – defensora dos direitos dos autistas. Isso significa que faço o que for preciso para promover o bem-estar das crianças, jovens e adultos com autismo, em qualquer lugar do mundo.
Através deste trabalho internacional tenho o privilégio de conhecer pessoas, pais e profissionais, com um conhecimento extraordinário do Transtorno do Espectro do Autismo. Sejam experiências adquiridas na prática, na teoria ou ambas ao mesmo tempo, existem personalidades espalhadas pelo mundo com o potencial de mudar a perspectiva atual da síndrome.
No Brasil ainda há muito a ser modificado. Graças à globalização da última década, muitos brasileiros já sabem que o autismo é uma diferença neurológica que influi no desenvolvimento e/ou comportamento de dois milhões de habitantes. Os temas “informação” e “conscientização” já foram, portanto, bem absorvidos. No entanto, o ângulo final da tríade da mudança continua sem ser atingido: o da ação. Agora, não mais me pergunto o que os brasileiros sabem sobre o autismo, mas, sim: o que o Brasil está fazendo pelo autismo?
Em 2013, redigi um documento oficial para uma pessoa que eu acabara de conhecer: Berenice Piana, mãe de autista e defensora dos direitos dos autistas no Brasil. A coautora da Lei 12.764/12, que garante os direitos dos autistas, me conquistou pela sua integridade e pela paixão com a qual falava do autismo no seu país. Através dela conheci, mais tarde, seus amigos do Movimento Orgulho Autista do Brasil (MOAB), com sede em Brasília, que tornaram-se uma referência para mim desde então.
O documento http://autimates.org/os-autistas-do-brasil-pedem-socorro/ respaldava a rejeição da Alínea C pelos criadores da lei, perante órgãos oficiais do governo. Com um título que não deixava margem à dúvida, “Os Autistas do Brasil pedem socorro”, meu texto tinha como objetivo convencer políticos e funcionários públicos de algumas instituições encarregadas de lutar pela comunidade autista.
A despeito da união e dos esforços dos membros do MOAB, em 2014, a então presidente Dilma Rousseff sancionou a lei pela qual Berenice Piana e seus amigos vinham lutando por mais de uma década, à revelia do grito popular da comunidade para que a fatídica alínea não fosse considerada. Sem aprofundar-se no assunto – como foi constatado em tantas ocasiões durante seu mandato – a presidente firmou seu nome, endossando a alínea C, dando assim margem à má interpretação da lei, prejudicando os autistas ao invés de ajudá-los.
Instituições de ensino e de saúde tomaram proveito do fato encontrando uma brecha para recusar matrículas de autistas, ignorar pedidos de tratamento individual de seus filhos e, o pior de tudo, favorecer as unidades de tratamento psicossocial (Caps), instituições psiquiátricas não especialmente adequadas a receberem autistas.
O Autismo no Brasil ainda pede socorro
Por conseguinte, os autistas têm sido extensivamente ignorados pelas autoridades governamentais do Brasil. Os órgãos responsáveis pela segurança, saúde e bem-estar dos autistas falharam em sua missão. Obviamente existem funcionários públicos empenhados na luta pelos autistas, porém sua luta não é suficiente. É preciso muito mais.
O quê é preciso?
– Escolas inclusivas em todos os municípios – incluindo o controle municipal perante os estabelecimentos de ensino
– Um órgão oficial responsável pelos direitos dos autistas em todas as cidades do País
– Uma secretaria municipal de atendimento às famílias autistas
– Acompanhamento vitalício dos autistas – tratamento e assistência aos autistas severos por toda a vida
– Assistência municipal na inserção do adulto autista (moderado a leve) no mercado de trabalho.
Estes são alguns exemplos que podem ser conseguidos através de:
- Inclusão do Autismo como matéria do currículo de ensino regular elementar, médio e superior
- Criação de uma “Bolsa de Assistência Individual do Autista” (B.A.I.A) a exemplo da Holanda. Este subsídio é pessoal e intransferível. Cada autista recebe seu benefício em forma de tratamento e assistência individual direta (in natura). Em outras palavras, o tratamento, escolaridade e assistência (acompanhamento) do autista é oferecido pelo governo, após identificação oficial de sua legitimidade, diretamente à instituição de escolha da família
- Capacitação contínua de cursos de autismo para professores, servidores sociais e servidores públicos – incluindo funcionários públicos como os próprios políticos que, não raramente, fazem uso do termo “autista” para atacar seus oponentes.
Soa utópico? Não é, posso garantir-lhes. Tudo começa com um bom planejamento.
Aos políticos de boa vontade, ofereço meu tempo e dedicação na preparação de um projeto realista, condizente com os direitos dos autistas brasileiros.
Quero deixar claro meu desinteresse total e absoluto em criticar pessoas físicas ou jurídicas que possam sentir-se ofendidas com o texto. Não tenho interesse de reprovar a prestação de serviço atual. Sou uma simples defensora dos direitos autistas com nacionalidade brasileira. Meu amor pelos autistas traspõe fronteiras e me impulsiona a ajudá-los a ter uma vida digna, com seus direitos devidamente encontrados, como todo ser humano merece.
Quem não está fazendo seu trabalho devidamente, que o faça. Nunca é tarde para aprender. Nunca é tarde para mudar.
Convido, por meio desta, um representante oficial do governo federal e um ou mais membros do Moab para visitarem meu país de residência e analisarem o modelo holandês a fim de adaptá-lo para a realidade brasileira.
Atenciosamente,
Fatima de Kwant
Jornalista, escritora, defensora internacional dos direitos dos autistas, especialista em Autismo & Comunicação, mãe de autista.
Contato no Brasil – grupo do facebook: AutimatesBrasil https://www.facebook.com/groups/AutimatesBrasil/?fref=ts
Papendrecht, Holanda
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