Cheguei na Holanda em 1985. Era então muito jovem e começando a vida ao lado do meu príncipe holandês há trinta anos encantado, por sinal. Juntos, construímos um lar de início simples, mas que aos poucos foi ficando com cara, coração e alma de casa. Duas filhas, doces e espertas, viveram acrescentar muita felicidade e amor à nossa união. Mas foi só depois do nascimento do nosso terceiro filho, que aprendi as maiores (e melhores) lições de vida. Meu filho Edinho, tem autismo. Ele não é “normal”, ou neuro-típico, como dizemos na comunidade autista. Isso quer dizer que ele vê e experimenta (percebe) o mundo, de um modo diferente do nosso. Como assim? … Explico. Quando pequeno, meu filho não suportava o toque de qualquer outra pessoa que não fosse o meu. Ele também não olhava nos olhos das pessoas, não atendia a chamados e tapava suas orelhas com as mãos toda vez que ouvia a ruídos bem altos.
Enquanto outros pequenos brincavam, ele preferia ficar em um canto, girando as rodinhas de seu triciclo. Só comia alimentos de consistência mole, como mingau, farinha láctea purê e nada que tivesse que mastigar muito, como carnes, torradas, maçã, etc…..
Meu filho também não tinhas menor noção de perigo. Se a porta da casa estivesse aberta, a primeira coisa que fazia era correr porta afora e de preferência, direto para o meio da rua! ….. Nossa, quanto sufoco passamos! Aliás, foram anos e anos de sufoco. De lágrimas e de tristeza também. Até que um dia, algum anjo (azul, da cor do autismo), deve ter sussurrado algo no no meu ouvido. Foi como uma epifania, num momento de divagação sobre a essência da vida: Se o autismo é para sempre e o meu filho não vai mudar, ou eu fico sentada, chorando e rezando por um milagre (o que também fiz, claro), ou encaro o problema e vou atrás do que possa proporcionar a ele e à nossa família uma sensação de bem estar. Foi todo um processo, mas valeu a pena. Para isso, tive que despir-me do meu ego (orgulho, vaidade, ilusões) e pensar no que realmente importa na vida. Para quem é mãe, só existe uma respostas: a felicidade dos nossos filhos. O QUE ERA BOM PARA ELE e não só para mim. Tudo partiu daí.
Meu filho hoje tem 16 anos. É um rapazinho inteligente, engraçado (humor de autista é o melhor tipo) e muito meu amigo. Em Setembro vai entrar no ‘exame jaar’ do VMBO (Ensino do segundo grau), que cursa num colégio que inclui alunos com autismo – 45% dos estudantes têm uma forma de autismo. Meu filho que aos 3 anos foi diagnosticado como severamente autista, não só superou a maioria das “esquisitices”, como tem-se revelado uma criatura sensível aos problemas sociais e de uma bondade incomparável. Porque o autismo é assim, um espectro bem vasto com vários graus de intensidade: cérebro de cientista e comportamento de adolescente; crianças que nunca falaram, mas que escrevem livros; adultos talentosos, mas que não conseguem interagir no trabalho, ou em relações amorosas. Todos diferentes. Todos únicos. Gente maravilhosa, que segue pelo mundo sendo desentendida. São vários exemplos.
Atualmente na moda, devido à novela brasileira, Amor à Vida, o autismo vêm conquistando seu espaço na televisão, jornais, revistas e nas redes sociais, principalmente. Enquanto há alguns anos atrás eu precisava explicar, em detalhes, o que era o autismo, atualmente quase todos sabem do que se trata, ou já ouviram falar algo sobre o tema. E isso, gente, é sensacional para todos nós, autistas, pais de autistas, familiares, professores e profissionais, que vivemos esta realidade diariamente. Quanto mais informação, melhor. Quanto mais compreensão, melhor. Quanto mais tolerância, melhor, quanto mais inclusão… muito melhor! Eu tive o privilégio de ter acesso às informações que foram imprescindíveis ao progresso do Edinho, no início da nossa jornada. Isso, somado ao fato de viver num país desenvolvido e com uma estrutura social favorável, foi extremamente importante para o desenvolvimento do meu filho. Fiz cursos, participei de congressos e workshops, li livros e me aprofundei nesta síndrome tão intrigante. Participei – e ainda participo – de fóruns na internet, grupos de contato, seminários e palestras. “Mãe de autista vira especialista”. Aprendi muito e ainda aprendo, todos os dias, toda vez que converso com outros pais, ou com os próprios autistas. São muitos, muitos mesmo. Estão em escolas, nos nossos trabalhos, às vezes até na própria família. Todos são diferentes, uns dos outros, porém tem em comum o desejo de serem amados e compreendidos exatamente como são.
Se você ou algum amigo está sendo desafiado pelo autismo, consulte um profissional, faça os testes, informe-se sobre terapias, métodos e intervenções. Saiba que o que agora parece ser uma maldição, irá se tornar uma benção, um dia. Toda criança com autismo tem potencial para se desenvolver e neste seu processo de desenvolvimento, nós – os pais e terapeutas – aprendemos sábias lições. Aprendemos a amar mais, a ter (mais) paciência, mais tolerância e menos preconceito. Este valioso aprendizado carregamos por toda nossa vida.
Há 16 anos, entrei num mundo maravilhoso e diferente, que poucos (ainda) conseguem entender. E tenho o prazer de observar que, gradativamente, isso vai mudando. Eu, e vários outros compatriotas, amigos do autismo, estamos formando uma aliança de conscientização. São pessoas como eu, que acreditam num só mundo. Um mundo neuro-diverso onde existe compreensão, respeito e inclusão da pessoa autista. Um mundo onde todos dão um passo para o lado, deixando alguém passar; alguém que é diferente, mas não menos importante.
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