por Fatima de Kwant
Holanda, Julho de 2013
“OS AUTISTAS NO BRASIL PEDEM SOCORRO!”
A frase mais usada no dia da Conscientização Mundial do Autismo, dois de abril de 2013, é relembrada por pais de autistas desde o dia 17 de Julho do mesmo ano, em consequência das tragédias consecutivas envolvendo famílias de autistas, em Campo Mourão e Umuarama, ambas no Paraná. Em menos de 24 horas dois autistas foram assassinados por suas mães, por motivos que seguem sendo investigados.
O primeiro pensamento que surge à mente dos leitores é o de que ambas sejam loucas, desequilibradas, o que talvez até seja verdade, conforme avaliações ainda em andamento que irão comprovar a causa dos dramas. Porém, com certeza pais e cuidadores de crianças, adolescentes e adultos com transtorno do espectro do autismo têm uma perspectiva bem diferente.
A começar, é do entendimento geral da comunidade autista que criar um filho autista é um constante desafio. Independente do grau de autismo, sua família é confrontada todos os dias com as limitações que a criança apresenta, tornando impossível o conceito de vida “normal.”
Em especial o autismo severo com deficiência intelectual é um dos casos que mais exige atenção. Muitas crianças e adolescentes com este tipo de autismo e ausência de linguagem, por exemplo, podem apresentar um comportamento bastante difícil, exigindo um acompanhamento profissional e serviço de apoio familiar intensivos. Apesar disso, o governo federal segue ignorando os direitos (humanos) destas famílias, atrasando todo e qualquer auxílio a quem precisa.
A negligência com a assinatura do decreto de regulamentação da lei número. 12.764/12, popularmente conhecida como Lei Berenice Piana – em homenagem à sua idealizadora, a ativista e defensora do autismo no Brasil de mesmo nome – é um dos motivos pelos quais casos extremos como os acima mencionados continuam a acontecer.
Natural do Paraná, a defensora do autismo, Berenice Piana, emocionada, afirma: “Mais um cenário de horror toma conta de nosso Paraná em menos de 24 horas…
Os motivos são os mesmos, as dores também!
Não tenham dúvidas que A FALTA DO TRATAMENTO ADEQUADO foi a razão direta
desse desfecho de horror, mais uma vez.
Até quando vamos esperar por um amparo seguro a essas famílias? Quantos ainda precisam morrer de forma trágica e bárbara?
O DESESPERO LEVOU A ISSO AMIGOS, DESESPERO PURO!”
O desabafo de Berenice encontra simpatia na manifestação de milhares de famílias de autistas em todo o Brasil que concordam com seu desabafo.
Antes de julgar-se as duas mães que tomaram uma atitude tão radical, que sejam analisadas algumas situações:
Um jovem de 19 anos com autismo severo e deficiência mental, porém com a libido sexual normal da idade estupra sua irmã de quinze anos;
Uma menina de treze anos com autismo é abusada sexualmente por rapazes vizinhos enquanto seus pais estão no trabalho;
Um menino autista de 10 anos tem um surto repentino e agride fisicamente os irmãos mais novos, de 5, 3 e um ano de idade, acarretando na morte do último;
Um adulto de 25 anos com autismo agride o pai, sem querer, durante uma crise, fazendo com que, acidentalmente, este perca o equilíbrio, caia da escada e morra ainda na ambulância. Sua mãe, assustada, não imagina como conseguirá dar seguimento à vida só, com o grande desafio e decide proteger a si mesma e a seu filho de um futuro sem perspectiva, matando-o e suicidando-se em seguida; pais que, com a falta de assistência, veem-se obrigados a amarrarem os pés e mãos de seus filhos para deixarem o lar para poderem trabalhar. Casos extremos. Casos absurdos. Casos tirados da vida nada comum de algumas famílias de autistas.
A série de relatos pessoais é longa. São todos quadros que parecem surreais para a maioria das pessoas, mas que formam a dura realidade de centenas (senão milhares) de famílias, principalmente as mais simples, sem acesso algum a qualquer tipo de ajuda.
São histórias reais, carregadas de dor e sofrimento. São casos que só chegam a público quando já é tarde para se fazer alguma coisa.
São famílias que se envergonham porque familiares e amigos se omitem; por não terem condições financeiras que lhes possibilitem conseguir ajuda; por não haver profissionais e centros capacitados a cuidarem dos autistas nas cidades onde vivem. Essas pessoas sofrem porque o governo brasileiro não se importa.
Obviamente existem problemas igualmente importantes a serem atendidos pelo sistema político, fato que ninguém pode negar. No entanto, a falta de atenção com os autistas é sentida não somente na rejeição dos inúmeros pedidos referentes à regulamentação do decreto de proteção aos autistas, mas também pela ausência de negociação com as comunidades autistas que não apoiam o CONADE, o Conselho Nacional dos Direitos da pessoa com Deficiência.
Sim, o autismo brasileiro parece estar dividido. A alínea C do 3º artigo do decreto é, aparentemente, o ponto de desacordo entre as comunidades. O inciso dá margem a que os autistas sejam tratados nos CAPS (Centros de Assistência Psicossocial), o que não é aprovado pela maioria das comunidades nacionais como sendo locais de tratamento para crianças com autismo. Sem desmerecer tais centros – esperando que, de fato, desenvolvam um bom trabalho de assistência a pacientes drogados, esquizofrênicos, alcoólatras e outros.
Os lugares para tratamento de autistas são instituições com vasto conhecimento sobre autismo. De outro modo, o comportamento deste grupo não só pode estagnar, como inclusive piorar, revertendo toda a boa intenção de criar-se uma lei de proteção.
O AUTISMO NO BRASIL SEGUE PEDINDO SOCORRO e aguarda, tão desesperadamente quanto as mães que cometeram infanticídio, pelo devido resguardo que lhes cabe por parte do município onde vivem, do governo do estado e do seu governo federal.
*Fatima de Kwant é jornalista, palestrante, escritora de textos sobre autismo e ‘autism communication’s coach’. Criadora do Projeto Internacional Autimates, um projeto institucional vitalício, cujo propósito é promover a conscientização do autismo, informando a população mundial sobre todos os temas relacionados ao Espectro do Autismo. Fatima reside na Holanda desde 1985 e é mãe de um adulto autista que saiu do autismo severo e, atualmente, independente.
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Você pede Socorro.
Ninguém liga.
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É verdade, Deni.
Desculpe o atraso!
Bjs,
Fatima