Holanda, 18 de maio, 2017
por Fatima de Kwant
Era uma vez uma família feliz; a minha família. Pais carinhosos de duas lindas meninas. Até que num belo dia de dezembro de 1996, uma terceira criança entrou em nossas vidas – Edinho, nosso tão esperado menino. A família estava completa. A vida estava sendo boa e generosa conosco. Meu marido e eu havíamos recebido o presente mais valioso do mundo: três crianças saudáveis.
É curioso como pais que acabam de ter um bebê anunciam o nascimento: “uma menina saudável”, “um saudável menininho”. No entanto, quão “saudável” é, de fato, o recém-nascido? O meu filho era lindo e forte, de uma saúde invejável, fisicamente. O que nós ainda não sabíamos era que ele era, neurologicamente, incompleto. Edinho tinha autismo.
Minhas primeiras preocupações começaram quando ele completou um ano e meio (1,5) de idade. O seu comportamento era bem diferente do das meninas, na mesma idade:
– Ele não falava nada
– Ele não olhava nos nossos olhos
– Ele não brincava com brinquedos
– Ele não comia quase nada; só queria papinhas ou alimentos de consistência pastosa
– Ele tinha verdadeira fascinação por objetos giratórios; podia ficar horas olhando a máquina de lavar rodar
– Ele não reagia ao ser chamado pelo nome
– Ele não obedecia à nenhuma ordem, como “faça isso…não faça aquilo…”
Meu lindo menino simplesmente não nos ouvia. Quando ele completou dois anos de idade, eu estava completamente convencida de que ele tinha autismo.
Como se não fosse difícil o suficiente, tive que convencer o pediatra que essa era a razão do desenvolvimento do Edinho estar tão comprometido.
Foi necessário um ano de insistência e teimosia até que obtivéssemos certeza do que se passava. Há um mês de completar seu terceiro aniversário, Edinho recebeu o diagnóstico mais temido: autismo severo, com a possibilidade de retardamento mental.
Não vou perder tempo explicando o quão devastada me senti. Ainda não sei se, na época, o mais impactante foi a severidade do grau de autismo, ou a maneira pela qual recebemos o diagnóstico: “…Levem em conta que, muito provavelmente, por volta dos 12 anos seu filho deve ir para uma instituição para crianças e jovens autistas…”. Foi como se a terra tivesse sido tirada debaixo dos meus pés. Por um tempo, depois desse dia fatídico, eu chorei; quase entrei em pânico. Eu me perguntei o que todos os pais que passam pelo mesmo devem fazer num momento como esse: “Por que eu? Por que com a nossa família? Por que com o MEU filho?…”. Sim, eu levei um período sentindo pena de mim mesma. Fiz isso e não me arrependo. Eu precisava disso. Era uma fase necessária para a próxima: mãos à obra. Enxuguei as lágrimas e encarei o desafio. Deixei a tristeza de lado e fui adiante, lutar contra o implacável e invisível monstro chamado autismo.

A questão mais importante era: “O que posso fazer para que meu filho seja feliz, apesar do autismo?”. Sem saber por onde começar, fui seguindo minha intuição materna.
No início do século 21, a internet estava só começando. Ao contrário do que acontece hoje em dia, demorava muito para conseguir informações através do computador. Ainda mais sobre autismo, pois o espectro era ainda bastante desconhecido.
Existe aquela piada, de que “mãe de autista pesquisa mais do que agente do FBI”. É verdade. Foi mais ou menos isso que fiz. Se eu queria superar o autismo, precisava, primeiro, conhece-lo bem.
Os anos que se passaram foram de muito foco e disciplina, pesquisando, aprendendo e aplicando o aprendizado. Eu buscava, principalmente, maneiras de ajudar meu filho a alcançar todo seu potencial. E consegui.
Edinho costumava ser “o pior” de todos os outros autistas. Fosse na escola ou nas atividades esportivas (todas para crianças com necessidades especiais), o meu anjo de cachinhos loiros era “o mais autista”: aquele que não fala, que não interage, que não reage a seu nome, que parece viver no próprio mundo. Meu pequeno Rainman. Esse era o meu filho. Mas já não é mais e há bastante tempo.
Edinho tem agora dezoito (18) anos. Recentemente terminou o segundo grau, com as notas mais altas do colégio. Em junho que vem, ele vai iniciar um curso de Administração de Empresas e Contabilidade. Edinho é amável, educado e tem um coração maior que seu 1,90m de altura.
Meu filhote está se preparando para a vida adulta e se encontra mais feliz do que nunca., cheio de planos e sonhos para o futuro. Ele tem orgulho de ser autista e pretende, um dia, ajudar os pais de crianças recém diagnosticadas, para que estes nunca percam a esperança.
Meu filho é irreconhecível para a maioria das pessoas que o conheceram quando criança. Mas eu sei que esta mudança não foi milagre. Não houve mágica alguma nesses dezesseis anos em que minha família decidiu não ceder ao pessimismo, contrariando as estatísticas e encarando o desafio que a vida nos impôs. Nós escolhemos aceitar o autismo, mas não sem desistir de estimular o desenvolvimento do Edinho. O que quer que acontecesse, progresso ou não, tudo bem. Amor incondicional é assim. Ter alcançado tanta melhora não estava na expectativa, mas foi uma bênção que desejo a todos que passam pelo mesmo, de coração.
Sorte foi um fator que pouco contou. Prefiro acreditar que o “segredo” esteve no positivismo, no foco e na disciplina que mantive durante os períodos mais pesados.
Na minha jornada com o autismo, descobri algumas coisas bem importantes:
-Autismo é tratável
-Autismo não é o fim de nada; é só um recomeço, de um jeito diferente
-Autismo não possui nem define uma criança; é só uma parte do ser humano maravilhoso que ela é
– Ninguém conhece seu filho melhor que você
– Ninguém pode lutar tanto pelo seu filho quanto você
– Paciência sempre recompensa
– Toda criança autista pode aprender, se soubermos como ensiná-la
– A vida muda, as pessoas mudam e as pessoas com autismo também podem mudar
Nós, pais de crianças autistas, devemos continuar lutando por aquilo em que acreditamos, ainda que o mundo inteiro nos considere loucos. Profissionais devem ouvir o que temos a dizer, porque somos a melhor fonte de informações para o desenvolvimento de nossos filhos. Infelizmente, isso não acontece frequentemente. Se você, pai ou mãe de um autista, ouvir de um profissional que seu filho ou filha tem muitas limitações, procure se concentrar nas possibilidades de reverter o quadro, assim como na exploração dos talentos que a criança, certamente, tem. Não permita que tirem sua esperança, seja a opinião de uma “autoridade”, algum parente ou um vizinho.
A experiência me mostrou que nada é definitivo quando se fala de autismo. Se acompanharmos o que vem acontecendo nos últimos 20 anos, veremos que teorias antes vigentes vêm sendo contestadas, enquanto terapias anteriormente criticadas vêm sendo reconhecidas – algumas até mesmo incluídas nos manuais contemporâneos de autismo.
Para superar o autismo temos que, antes de tudo, superar nossos próprios medos e inseguranças. Vamos começar por acreditar que tudo é possível.
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