Holanda, 22 de maio de 2018
Por Fatima de Kwant
O autismo não é uma doença, mas um distúrbio do neuro desenvolvimento que afeta a capacidade de um indivíduo se comunicar, de interagir socialmente, e de se comportar de acordo com as regras da sociedade em que vive.
O autismo pode ter consequências em vários setores da vida cotidiana, como em cuidar de si mesmo, morar só, desenvolver-se de um modo geral, trabalhar, obter educação escolar, manter relações pessoais, etc. Por isso, na Holanda, a assistência ao autista de todas as idades foi garantida através das quatro Leis da Saúde. Leis simples, sem números, elaboradas do mesmo jeito que o holandês conduz sua vida: com simplicidade e efetividade.
Uma pessoa com autismo não é, necessariamente, deficiente ou incapaz. Porém:
- Tem um ou mais tipos de deficiência em alguma fase da vida (seja ela uma criança, um adolescente, ou adulto).
- Precisa das Políticas Públicas que viabilizem os tratamentos e o acompanhamento durante o período que for necessário para seu desenvolvimento.
As consequências do autismo para a criança, adolescente ou adulto podem ser notadas:
- Na Independência
- No Aprendizado
- No Comportamento em geral
- Na Funcionalidade
O que a pessoa com autismo é capaz de fazer?
Das tarefas mais básicas às mais sofisticadas: o autista pode:
- vestir-se/comer/higienizar-se sozinho?
- ficar sozinho em casa?
- sair sozinho?
- estudar?
- morar só?
- organizar a administração da casa?
- trabalhar?
O autista, ao longo da vida, vai precisar de:
- Diagnóstico (um laudo oficial que atesta sua condição dentro do Espectro do Autismo).
- Tratamento Multidisciplinar (váriadas terapias; acompanhamento médico, psicológico, social e comportamental).
- Escolarização (participação efetiva no Ensino Básico, Médio e Superior).
- Trabalho/Ocupação (aprendizado de um ofício remunerado ou não).
- Centros Integrados de Autismo (locais de inclusão, aprendizado, recreação, terapias e tratamentos).
- Moradias Assistidas (Locais para moradia parcial ou integral de autistas maiores de dezoito anos).
A pessoa com autismo é um cidadão e, como tal, precisa do GOVERNO para encontrar suas necessidades, a fim de exercer sua cidadania da melhor maneira possível. A isso chama-se DIREITOS.
Dependendo da idade do autista, da seriedade do caso e da necessidade de cada família onde moram uma ou mais pessoas com autismo, as leis que se aplicam na Holanda são:

WLZ– Wet Langdurige Zorg (Lei de Assitência Vitalícia) – Por toda a vida, garantindo cuidados intensivos (24 horas por dia) à pessoa com deficiência e/ou autismo. Cuidado intensivo para os cidadãos mais vulneráveis, como os idosos, pessoas com deficiência(s), pessoas com transtornos de ordem psicossocial, entre outras, autismo.

JW – Jeugdwet (Lei de Proteção à Criança e Adolescente com Deficiência). Assistência para todos os deficientes e/ou autistas até 18 anos que não se encontram na Lei de Proteção Vitalícia. A lei de Proteção à Criança e Adolescente com Deficiência parte do princípio de que toda criança que necessita do cuidado intensivo é única, portanto, o acompanhamento é individualizado para atender às necessidades desta criança/adolescente. A partir de janeiro de 2018, a lei foi adaptada de modo que a prefeitura de cada cidade seja responsável pelo atendimento, através dos denominados wijkteam ou times do bairro.
OBS: Crianças e jovens com autismo quase sempre fazem uso da Lei da Criança e do Adolescente com Deficiência.
O Município tem a responsabilidade de cuidar do autista.
Cada município é responsável pela saúde e bem estar do autista:
- Assistência no comportamento
- Coaching da família (pais e irmãos)
- Assistência na tarefa de tornar a criança o mais independente possível
- Financiamento de alojamento temporário para a criança quando seus cuidadores primários (pais) ficam sobrecarregados
WIJKTEAM – o Time do Bairro
Um time de profissionais experientes que irá identificar e avaliar a situação (individual) da família que solicita cuidado para a criança/adolescente com necessidade de cuidados intensivos de enfermagem ou socio-emocionais. Após a avaliação, o time indica o tratamento a ser efetuado. Neste caso, o time do bairro analisa:
- Idade da criança/adolescente
- Que tipo de ajuda necessita
- Qual o diagnóstico
- Só autismo ou em combinação com outra deficiência (comorbidades)
- Indicação de cuidados e local onde a criança será atendida – em casa ou na escola, ou em ambos.
Indicações mais frequentes:
- Coaching
- Ajuda doméstica
- Moradia Assistida
- Transporte e alojamento temporários

Wmo – Wet maatschappelijke ondersteuning – (Lei de Apoio Social)
A Lei de Apoio Social 2015 comporta as regras das prefeituras de todos os municípios holandeses no que concerne à autonomia, participação, proteção, Moradias Assitidas e Acompanhamento de pessoas vulneráveis física e/ou mentalmente – entre outras, os autistas.
Esta lei propicia aos autistas – entre outros cidadãos vulneráveis – auxílio na obtenção da independência, e na participação social, como pro exemplo na estimulação de atividades sociais e, na inclusão escolar e através da introdução no mercado de trabalho.

Zvw – Zorgverzekeringswet (Lei de Seguros de Saúde)
A Lei dos Seguros de Saúde foi revisada em 2006 e desde então obriga todos os holandeses acima de 18 anos, vivendo ou trabalhando na Holanda, a adquirir uma pólice de seguro básico. No caso do autismo, o auxílio consiste em ajuda psíquica, cuidados médicos, serviço de enfermaria no lar – para higiene e demais cuidados com a pessoa autista. As companhias de seguro, por sua vez, são obrigadas a aceitar todos os cidadãos, independente de seu estado físico ou mental.
OBS:
- 1 – Adultos autistas quase sempre fazem uso da Lei de Apoio Social, e de tratamento psíquico oferecido através da Lei do Seguro de Saúde (terapias variadas)
- 2- No caso da criança não ter condições de estar em casa – por alguma razão devida a seu comportamento ou condição psíquica da família -, a Lei oferece Moradias Assistidas, Centro especializado para a juventude, Alojamento em casas de família (Gezinshuis).
Sistema de leis em harmonia
Quatro leis, portanto, tornaram possível de cuidado e proteção aos cidadãos mais necessitados da sociedade. Quatro leis que se entrelaçam, combinam e garantem o direito básico da pessoa com autismo, entre outras. Basicamente, todo cidadão com um tipo de deficiência e/ou autismo que necessita de apoio médico – físico ou mental – tem por direito recorrer a ele através de uma destas leis.
O criterio é que a primeira Lei, Wlz, rege. O critério é bem severo para fazer-se uso dela. Os autistas só recebem a indicação para a Lei Vitalícia quando:
- Além do autismo têm uma deficiência intelectual.
- Quando uma longa internação psquiátrica (superior a três anos) é necessária. Quando a internação termina, a Lei Vitalicia deixa de reger para o deficiente e ele passa a fazer uso da Lei Social de Apoio ou da Lei do Seguro de Saúde.
No Brasil, não há tempo a perder. O censo mais recente (2016) de acordo com o CDC (Centers for Disease Control and Prevention) é de 1 autista para cada 36 crianças, sendo 1 autista do sexo masculino para cada 28. A iminência de políticas públicas onde ainda não há, faz-se imperativo.
O autismo no Brasil “tem jeito”: é tratável para os que precisam de tratamento; é compreensível para os que precisam somente de compreensão. Seja qual for a intenção ou necessidade da pessoa autista, seu grau de funcionalidade e/ou deficiência, as políticas públicas devem fazer parte da pauta do Poder Público, certamente, de qualquer país cujo lema seja Ordem e Progresso.
Página do Facebook: Autimates Brasil
*Fatima de Kwant é jornalista, radicada na Holanda desde 1985. Mãe de três filhos, entre eles, Edinho (21) ex-autista severo, de alto funcionamento. Fatima é especialista em Autismo & Desenvolvimento, Autismo & Comunicação é escritora, palestrante e ativista internacional do Autismo.
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Achei muito interessante. Mas fico profundamente triste de saber vou morrer sem ver essas medidas aqui no Brasil no tocante a assistência ao Autista.
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Terezinha, esta é a maior preocupação de todos nós, pais e mães de autistas. Precisamos lutar pelas políticas públicas.
Um grande abraço,
Fatima
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Olá Fátima, é a primeira vez que entro no seu blog. Fico encantada em ver como os países desenvolvidos abordam com simplicidade – mas, efetividade – o tratamento e principalmente a dignificação das pessoas especiais. Sou psicóloga e busco me formar e estudar terapêuticas para TEA em adultos. Não há nada no Brasil! Frustrante…
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Oi Flavia, muito obrigada pela visita! Espero que assine o blog e volte sempre.
Sua profissão é de grande importância para as pessoas com autismo.
Grande abraço,
Fatima