Mãe de um Autista – Bem no fundo, todos nós queremos ser especiais. Os seres humanos têm a necessidade de se acharem extraordinários. É uma sensação que o ego precisa para manter a mente satisfeita com a vida que leva.
Seja para driblar a competição ou somente para encontrar um sentido para suas existências, as pessoas, frequentemente, se convencem de que são boas e de que têm valor: são especiais. No entanto, nem sempre sentir-se especial é suficiente; os outros têm que achá-las especiais para que a sensação seja validada.
A fim de que isso aconteça, existe um acordo sobre o que um indivíduo necessita para ser considerado mais que simplesmente mediano. Quando perguntados sobre o que os fazem sentir-se deste modo, eis a resposta da maioria:
- Inteligência
- Beleza
- Sucesso profissional
- Fama
- Fortuna
Um ou mais destes predicados definiriam a posição (status) de alguém na vida.
Quando um indivíduo não parece possuir uma ou mais das qualidades acima mencionadas, ele pode ficar decepcionado com este confronto com a realidade. A ideia de nada mais ser que mediano, é insatisfatória para muitas pessoas. Ainda assim a maior parte das pessoas faz parte da média.
Pelo mundo afora todos temos expectativas e sonhos similares: sermos felizes e nos sentirmos de bem com a vida. Mas como podemos atingir estes objetivos sem predicados? Uma das possibilidades é a de nos projetarmos nos nossos filhos. Nossa cria é o futuro; nosso futuro. Podemos não ter ido bem na vida, mas ainda temos nossos filhos para fazerem isso por nós. Eles são nossa segunda chance, nosso “plano B”.
“ A carreira que eu não abracei”…”A fortuna que eu não conquistei”…” A faculdade que eu não terminei…” Não, nós não dizemos em voz alta. Para alguns é um pensamento inconsciente, até.
Um filho significa esperança. Esperança de um futuro melhor. Esperança para o nosso futuro.
Quando uma criança nasce, automaticamente, novos sonhos são criados. É assim que funciona. É a natureza humana. Não somente queremos o melhor para nossos filhos, como sentimos que eles são especiais. Eles são nossos. Se somos especiais, assim são eles, também.
Não é doidice nem arrogância nossa pensar assim. Pais com uma atitude positiva e expectativas em relação aos filhos, influenciam o desenvolvimento de sua auto estima, o que viabiliza um crescimento saudável e com propensão ao sucesso. Porém, como essa prática funciona quando nosso filho é mesmo “especial”? Quando é único, diferente, autista? O que fazer com os sonhos? E agora?…

Um sonho desfeito?! Medo?! Pânico?! Caos?! O fim das expectativas que você tinha?!
Você desejou um filho especial, não uma criança com necessidades especiais. Você merecia uma criança especial, mas normal, tão ou mais inteligente quanto você; tão ou mais talentosa que você. Um filho ou filha que cresceria para ser um homem ou mulher de sucesso. O que acontece, agora, na sua cabeça?
Como aceitar a realidade? Por que Deus te esqueceu?… Por que a vida te traiu, te dando um filho que você não reconhece, não compreende e tem dificuldades de aceitar? Como você vai ser a boa mãe (ou pai) que você tinha certeza que seria, antes do diagnóstico?
Como você vai encarar a sua família e amigos, colegas de trabalho e vizinhos e admitir que “falhou” no quesito “filho normal”? Perguntas difíceis de serem respondidas. Perguntas cujas respostas vão mexer com a sua cabeça. Vão te fazer refletir, sacudir conceitos e preconceitos. Depois dessa limpeza interna, a resposta:
Você encara e se torna uma ótima mãe ou pai para seu filho-surpresa.
Autismo tem o poder de transformar pessoas medianas em seres especiais. Aqueles que, mais cedo ou mais tarde, irão descobrir que felicidade nunca teve nada a ver com inteligência, beleza, sucesso, dinheiro ou qualquer outro mérito considerado primordial pela maioria.
Pais de autistas são os indivíduos prestes à “pularem pra fora da caixa”, libertando-se de conceitos e valores que a grande maioria das pessoas tem. Eles vão sacudir preconceitos e encontrar um modo de serem felizes, apesar do autismo.
A seu tempo, irão descobrir que estar de bem com a vida tem a ver com algo que somente as pessoas, de fato, extraordinárias aprendem: o amor incondicional. Amor por seus filhos e por si mesmos, um amor sem expectativas – a não ser a de dar o melhor que existe dentro de si – os libertará da suposição geral do que se precisa na vida para ser especial.
“ Meu filho nunca vai falar, ler e escrever.”…” Minha filha nunca vai se casar.”… “ Meu filho nunca vai fazer faculdade.”… Estes são alguns dos pensamentos que pais de crianças com necessidades especiais costumam ter. Ainda que estes pensamentos acabem se tornando realidade no futuro, a melhor atitude seria adicionar “ E daí?“, depois das frases.
Pergunte-se se isso ou aquilo importa, se a falta daquilo vai fazer do seu filho ou filha uma pessoa com menos valor?…A falta disso ou daquilo vai ME fazer uma pessoa com menos valor?… Geralmente a resposta é: “de jeito nenhum!”

Uma criança com autismo não diz nada a seu respeito. Assim como uma criança superdotada não significa que seus pais também o sejam, a menina linda pode não ter uma mãe igualmente bela e um artista pode ter pais sem talento artístico. A gente se julgar pelo que nossos filhos são, é um truque da mente.
Se a maternidade ou paternidade de uma criança com autismo diz algo sobre você, é que você teve a sorte de ser presenteada com uma criança diferente, verdadeiramente única e maravilhosa. Você foi abençoada, na verdade. Você recebeu a oportunidade de aprender uma das mais valiosas lições na vida. Lições de vida são nosso maior presente.
Você, pai ou mãe de uma criança com autismo, é especial porque:
- Você demonstra coragem e resiliência a cada dia;
- Prova que os desafios não te matam: te fazem mais forte;
- Você vê beleza onde a maioria vê feiura;
- Você sabe que o pequenos passos são grandes vitórias.
O que faz de alguém excepcional não são os predicados, mas o modo que se elege viver uma vida plena, apesar da falta destes predicados.
Criar uma criança que consideramos especial é muito bom. Isso significa que “eu deixei algo de bom no mundo.”
Criar uma criança com necessidades especiais é extraordinário. Isso significa que “eu deixei algo grandioso no mundo.”
*Fatima de Kwant vive na Holanda desde 1985, é jornalista, escritora do best-seller holandês “Autisme, een Geschenk” (Autismo, um Presente) e Defensora Internacional do Autismo através do Projeto Autimates.
Holanda, 11 de julho de 2017
Por Fatima de Kwant
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Ontem mesmo eu dormi me questionando sobre o que o seu texto fala,depois de sete anos após o diagnóstico do meu filho ainda tenho umas recaídas do início e seu texto veio no momento certo para me sacudir e prosseguir feliz.Obrigada Fátima por partilhar tanto amor!
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Muito obrigada Sandra. Fico feliz em ter podido contribuir para seu bem estar.
Um grande e querido abraço,
Fatima
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Fátima, muito obrigada por seus textos. Esse especificamente me retrata, é a minha vida. A minha angústia.
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Que lindo, Flavia. Obrigada a você pelo carinho.
Beijinhos,
Fatima
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Foi maravilhoso ler o texto. Leve, pontual mas nem por isso superficial. Excelente!
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Muito obrigada, karla!
bjs,
Fatima