Autismo e o Processamento Sensorial
Por Fatima de Kwant
Holanda, 13 de Junho de 2016
O Transtorno do Processamento Sensorial consta no manual psiquiátrico DSM-5 como um distúrbio neurológico independente. No entanto, frequentemente é identificado nas pessoas com um diagnóstico dentro do Espectro do Autismo. Apesar de ser um tema bastante explorado, recentemente, o Processamento Sensorial (PS) ainda não é de todo conhecido.
A causa do distúrbio é de ordem genética. Os estímulos do meio ambiente são rápida e intensamente captados pelo cérebro da pessoa sensível a essa invasão sensorial. Nesse processo, muitas sensações são percebidas de uma vez, em (mínimos) detalhes, originando a hipersensibilidade dos sentidos. O estresse é fator agravante; quanto mais nervosos, menos aptos a tolerarem o input de estímulos ao mesmo tempo.
“Fique quieto!”, “Pare de roer as unhas!” “Larga isso!” ou “Pare de se balançar na cadeira!” são algumas das frases comuns que pais e professores usam ao lidar com crianças (autistas) com um distúrbio do processamento sensorial.
Quantos sentidos tem o Homem?
Numa recente palestra em Utrecht, Holanda, o pedagogo belga Steven Degrieck, especialista no tema, perguntou à plateia: “ Quantos sentidos tem o Homem?… Cinco?…” ao que grande parte dos participantes levantou suas mãos. Quando perguntou: “Seis?…”, algumas mãos levantadas se abaixaram. Ele seguiu: “Sete?…”, ao que mais mãos se abaixaram. Oito?…Nove?… Dez?… Já não se via mãos levantadas. “São dez, minha gente”, afirmou Steven, divertindo-se com os olhares de surpresa.
O pedagogo está correto. Dez sentidos tem o ser humano.
- Os cinco sentidos popularmente conhecidos – visão, audição, tato, olfato e paladar
- O vestibular – equilíbrio (cuja origem está na audição)
- O da propriocepção (a postura; a contração muscular, fazer atividades sem olhar para o que se faz; sentir o peso dos objetos; ter sensação de “controle” sobre o próprio corpo
- O da interocepção (sensações interiores de fome, sede, sono, bexiga cheia, batimentos cardíacos e cansaço)
- O da nocicepção (sensação de dor)
- O de termo-cepção (registro de temperatura – frio, quente etc.)
Os cinco últimos sentidos são tão presentes no ser humano, quanto desconhecidos, pois quase tudo o que fazemos é natural para quem não tem um transtorno no processamento sensorial.
Mono Funcionamento
O mono funcionamento no autismo é a experiência de um sentido de cada vez. A maioria das pessoas com desenvolvimento neurotípico é capaz de andar sem que para isso tenha que olhar para seus pés; ela sabe que está andando (sentido proprioceptor). Ao mesmo tempo podem estar falando ao celular e acenando para um amigo que acaba de entrar no local onde ela está. São ações automáticas, que não perturbam seu funcionamento.
Um grande grupo de autistas, porém, pode ser perturbado pelos estímulos que chegam até eles através dos dez sentidos.
Como exemplo, a falta de contato visual de muitos autistas. Alguns deles evitam o olhar nos olhos para poderem ouvir melhor. Outro exemplo seria o do autista que não fala enquanto faz suas refeições; ele não gosta de falar enquanto come; está degustando (paladar) primeiro.
É importante que pais e terapeutas evitem oferecer muitos estímulos à pessoa autista sensorialmente sensível. Sendo assim, é melhor que os deixem experimentar um de cada vez. O mais eficiente é apresentar o estímulo visual antes da verbalização de uma ação que é esperada do autista. Exemplo: o professor quer que o aluno autista deixe de fazer a tarefa e vá ao refeitório. Primeiramente o professor deve mostrar-lhe o pictograma do refeitório, aguardar alguns segundos e só depois falar em voz alta que o aluno deve ir para ao refeitório. A tarefa terá mais chances de ser compreendida imediatamente quando segmentada (primeiro mostrar, depois falar). São ações simples, que podem facilitar o bem-estar de muitos autistas e também das pessoas incumbidas de se comunicarem com eles.
Hipersensibilidade sensorial: Fight, Flight or Freeze
Quanto à hipersensibilidade sensorial do autismo, os americanos usam o termo Fight, Flight e Freeze para designar as ações típicas de uma pessoa desorientada. Ela luta (fight), foge (flight) ou congela (freeze).
Muitos autistas irão reconhecer este problema. Quando sobrecarregados de estímulos podem escolher (sem dar-se conta) uma das três estratégias. Aquele que “luta”, seria o autista que reage gritando, jogando coisas ao chão, (se) agredindo etc. O autista que “foge”, o faz literalmente, saindo do local que o perturba intensamente – o aluno que se esconde no banheiro do colégio, que foge da escola, que se recusa a ir à escola etc. O terceiro é o ato de “congelar”: a criança aparenta não ser perturbada pelo que acontece a sua volta para mais tarde “explodir” em casa; ou o contrário: em casa ela demonstra estar calma e na escola não mais consegue se controlar, apresentando um comportamento inapropriado.
Hiposensibilidade sensorial – a busca constante por estímulos
A hiposensibilidade sensorial do autista, ao contrário da hipersensibilidade, é observada quando a criança parece buscar os estímulos pulando, olhando direto na luz, ou girando objetos rotativos incessantemente. São as aqueles que não conseguem “sentar direito” numa cadeira; sentam meio deitados, meio sentados (hipossensibilidade do sentido propriocepção.) A criança não foge da sensação; ela a busca incessantemente. No caso da hipossensibilidade, as crianças podem apresentar um comportamento inconveniente ou até perigoso. Observamos a hipossensibilidade do sentido proprioceptor quando as crianças:
- Sentam-se meio deitadas
- Apoiam a cabeça nas mãos
- Têm dificuldade em subir escadas
- Sentem-se extremamente cansadas ao se exercitarem levemente
- Apoiam-se em outras pessoas ou em móveis
- Andam de forma diferente da maioria
- Vestem-se inapropriadamente (roupa do avesso, suja etc.)
- Batem com os calcanhares no chão ao andar
- Gostam de morder; mastigar; roer unhas
- Gostam dos cintos bem apertados
- Gostam de ser “apertados” (abraços apertados, sentir pressão no corpo)
- Têm pouca ou muita força física
- Pessoas “brutas” ou “desajeitadas”
Exemplos de hipossensibilidade no sentido interoceptor:
- Não perceber a exaustão (fazer algo até cair exausto)
- Não sentir sede
- Não sentir fome
- Comer demais ou beber demais
- Ainda usar fralda apesar da idade.
“Ele não me olha quando eu falo”;
“Durante o almoço, ele não fica olhando pro nada”;
“Quando ele olha para o caderno, ele não me ouve.”
A compreensão do distúrbio do processamento sensorial pelos pais e professores, pode facilitar muito a vida das crianças com autismo. A consciência do problema é meio caminho andado. Uma vez consciente, o cuidador pode observar melhor a criança, procurando por indícios tal que aprenda como conduzi-los:
- Diminuindo a quantidade de estímulos
- Diminuindo o estresse da criança
- Antecipando situações de muitos estímulos e/ou estresse
- Controlando as situações onde o processamento sensorial pode ser afetado.
Ofereça alternativas mas não obrigue a criança a aceitá-las, para evitar aversão ou a que a criança faça uma associação negativa à pessoa que o obriga. Antecipe os problemas que possam aparecer, tendo mais opções a oferecer. Exemplo: um jovem autista com hipersensibilidade visual – ofereça óculos (mesmo que ambiente fechado). Um aluno com sensibilidade auditiva – ofereça headphones.
O prognóstico, baseado no mundo acelerado em que vivemos, não é dos melhores. O cérebro humano está fazendo hora extra para adaptar-se à pressa do mundo ocidental.
A boa notícia é que com a Terapia de Integração Sensorial é possível melhorar muito a hiper/hipossensibilidade das pessoas com crianças com um problema de ordem sensorial, como é frequente no autismo. Este tipo de terapia vai oferecer exercícios específicos tratando a desordem individualmente, de acordo com o deficit sensorial de cada paciente.
*Fatima de Kwant é jornalista, palestrante, escritora de textos sobre autismo, especialista em autismo – desenvolvimento e comunicação. Criadora do Projeto Internacional Autimates, um projeto institucional vitalício, cujo propósito é promover a conscientização do autismo, informando a população mundial sobre todos os temas relacionados ao Espectro do Autismo. Fatima reside na Holanda desde 1985 e é mãe de um adulto autista que saiu do autismo severo e tornou-se independente.
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